terça-feira, 28 de maio de 2013

O Cristo de madeira (Ana Carolina)

Divulgação/Internet
          
          Essa é a primeira das possivelmente muitas vezes em que Ana Carolina será protagonista da minha escrita. Sou fã! E a favor de que as pessoas saibam que existe uma artista muito mais densa por trás de Rosas, Quem de nós dois, Elevador, Garganta... Claro que por conta desses sucessos todos, ela se tornou quem é; adquiriu a popularidade que tem. E isso é ótimo. Mas, não é tudo! Injusto limitar na superfície quem tem “suenõs bajo el agua”. 
          Ana Carolina é cantora, compositora, multi-instrumentista, artista plástica e aspirante à diretora. Parece que se cansa do conforto de uma popularidade já inquestionável, que continua a se consolidar a cada sucesso radiofônico presentes em trilhas de novela. Não é que eu floreie as qualidades artísticas dela só porque sou fã; é o contrário: sou fã (cada vez mais) por conta das qualidades artísticas dela – que tocam todos os meus sentidos. Sou fã dos inquietos, inconformados e surpreendentes.
          Aliás, hoje mesmo ouvi pela primeira vez o novo álbum, #AC, e ainda estou chocada. Que sonoridade, que ousadia, que harmonia entre as faixas, que visual, que bom senso musical... (suspiro)... pura semiótica! #AC já entrou para a lista dos meus CDs favoritos da Ana, junto com Estampado e Dois Quartos.
          Voltando ao assunto “popularidade x profundidade”, Dois Quartos é um álbum duplo (uma metade intitulada de quarto; a outra, de quartinho), cujo conteúdo podemos dizer que classifica bem, de forma geral, o público da Ana Carolina. Poucos se sentem confortáveis dentro do “quartinho”. Os fãs da vertente Pop, provavelmente limitem-se ao mais convencional.
          Quando digo que Ana Carolina provavelmente será o meu tema por várias outras vezes, é porque falando da compositora, especificamente, trata-se de alguém com muitas características interessantes e que, por isso mesmo, “dá pano pra manga”. Ainda quero comentar, por exemplo, sobre as particularidades do processo de composição de Carvão; a mistura fantástica de elementos da recente Un suenõ bajo el agua, ou a utilização de referências claras de outras obras, como em As telas e elas ou Saí pra tomar três. Enfim, tem muito assunto. Mas por hoje, como já me estendi, entremos no quartinho para falar de O cristo de madeira... Primeiro o CLIPE (clicando aqui), resultado de uma feliz edição no DVD. E, enfim, vamos à letra:

O Cristo de madeira
Saiu da cadeia sem um puto
Sol na cara monstruoso
Ele é da alma "trip" dos malucos
Belo, mas nunca vaidoso
Um dia comparado a mil anos
Saiu lendo o Evangelho
Vida e morte valem o mesmo tanto
Evolução do novo para o velho
Puxava seus cabelos desgrenhados
Vendo a vida assim fora da cela
Não quis ficar ali parado
Aguardando a sentinela
A vida parecia reticente
Sabia do futuro e do trabalho
Lembrou de sua mãe já falecida
Verdade era seu princípio falho
Pensando com rugas no rosto
Olhava a massa de cimento
A sensação da massa fresca
Transmitia às mãos o seu tormento
Trabalhava, ganhava quase nada
Fazendo frio ou calor
Difícil era quem aceitasse
Um cara que já matou
Se olhou como um assassino
No espelhinho da construção
O que viu foi sua cara de menino
Quando criança com seu irmão
Aonde anda seu irmão?
Em algum buraco pelo chão
Ou frequenta alguma igreja
Chamando a outros de irmãos
Sábios não ensinam mais
Refletiu sua sombra magra
Com o pouco que raciocina
Ele orava, ele orava
Mas o Cristo de madeira não lhe dizia nada
Mas o Cristo de madeira não lhe dizia nada
Mas o Cristo, brincadeira, não lhe dizia nada

 

          Composição baseada em referenciais: gosto muito! De acordo com a própria, em entrevistas que assisti, essa letra foi feita baseada em duas referências principais: material sobre o sistema carcerário e o livro Deus é um delírio, de Richard Dawkins. Ou seja: de uma ideia, um tema; apoiada em uma direção, a busca por referenciais que façam sentido dentro de uma história e de uma melodia que, por influência dos violinos, passa a sensação de angústia. Tudo faz sentido! 
          O tema toca numa deficiência social que, de acordo com o sistema carcerário, estabelece que o sujeito, quando vai preso, tem grandes chances de se tornar pior ao sair do que era quando entrou, pois uma vez marcado, perde seu lugar na sociedade. De outro lado a “fé”; ou a “culpa cristã”, como já disse a Ana. A ideia de o ser humano ter inventado Deus para que Deus o inventasse. Ou a ideia do Deus que salva e que pune (ou que pune e salva?).  A fuga do sujeito que depois de sair do crime, vai à procura de Deus, como redenção, cujo cristo de madeira (“símbolo de fé” – APENAS símbolo), muitas vezes, nada responde. E uma vez à margem da sociedade, sem direitos nem respostas divinas, o crime se faz novamente uma saída. "Vida e morte valem o mesmo tanto."
          Também é possível perceber na frase “evolução do novo para o velho”, uma referência à divisão dos dois testamentos da Bíblia. Resumindo, enfim, eis o exemplo de uma canção feita em moldes fora da “inspiração romântica”, mas com uma proposta de reflexão muito bacana, com bases teóricas e referências reais que, muitas vezes, não chega até o grande público que gosta mesmo é de pular e “subir bem alto pra gritar que é amor”.
          Tudo vale!... Base e interpretação cultural também.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

muito POUCO (Paulinho Moska)


Divulgação/Internet
            


            Inauguro oficialmente o Blog com Paulinho Moska. Como ele se autodenomina: um metido à besta profissional. Ele é um dos meus compositores preferidos, no sentido mais amplo da expressão “compor”. Neste post compartilho uma canção e uma entrevista. A primeira, um registro claro de uma das suas características principais: o jogo com as palavras. A segunda, uma síntese de um pouco do que eu penso sobre a atividade artística da composição.

Muito pouco
Pronto
Agora que voltou tudo ao normal
Talvez você consiga ser menos rei
E um pouco mais real
Esqueça
As horas nunca andam para trás
Todo dia é dia de aprender um pouco
Do muito que a vida trás

Mas muito pra mim é tão pouco
E pouco é um pouco demais
Viver tá me deixando louco
Não sei mais do que sou capaz
Gritando pra não ficar rouco
Em guerra lutando por paz
Muito pra mim é tão pouco
E pouco eu não quero (mais)

Chega!
Não me condene pelo seu penar
Pesos e medidas não servem
Pra ninguém poder nos comparar
Por que
Eu não pertenço ao mesmo lugar
Em que você se afunda tão raso
Não dá nem pra tentar te salvar

...Veja
A qualidade está inferior
E não é a quantidade que faz
A estrutura de um grande amor
Simplesmente seja
O que você julgar ser o melhor
Mas lembre-se que tudo o que começa com muito
Pode acabar muito pior


            Gosto da mistura de ideias contraditórias, que dá sempre um tom de provocação e que gera a reflexão. É a função da arte, afinal. Não é (só) para ser bonito, é para desafiar; responder bem menos do que perguntar.
            Nas letras do Moska, não há nada de muito sofisticado, assim como nas melodias. É uma poesia relativamente simples, mas de uma sensibilidade exata, pontual, harmônica. Pode ser muito difícil alcançar a simplicidade. Principalmente quando de forma proposital. Sinto que é.  
            Muito pouco é uma canção com uma pegada de tango, que dá nome a um CD duplo, em que um se chama Muito, e o outro se chama Pouco. Viva a contradição e a coerência! Juntas elas fazem todo o sentido.
            Gosto de compositores que o são com convicção. Mas também gosto do Paulinho Moska, que diz que não é um cantor, não é violonista, não é músico, não é poeta, não é fotógrafo, não é um apresentador de televisão, não é um radialista. É um compositor, na medida em que compor é juntar coisas. Também é genuíno. É arte.
            Segue aqui o link de uma entrevista que ele deu para o canal Saraiva Conteúdo, em que resume um “pouco do muito” do que quero dizer. Aliás, vale contar que é dele grande parte da minha inspiração para escrever sobre esse assunto.  Assistam pelo youtube a poesia audiovisual de um programa exibido pelo Canal Brasil, chamado Zoombido, apresentado pelo Moska. Trata-se da prática dessa minha teoria. Ele entrevista compositores que contam sobre os processos de criação e falam sobre referências artísticas e raízes musicais. Muito do que aparecer por aqui, tem grandes chances de terem nascido de algum desses episódios.



quinta-feira, 2 de maio de 2013

APRESENTAÇÃO



Divulgação/Internet

Um Blog é uma ótima ferramenta para exercitar a escrita e uma maneira bacana de compartilhar uma afinidade com várias outras pessoas que também gostem daquilo sobre o que você escreve. Pensando sobre qual assunto abordar, para que eu pudesse fazer deste espaço não só um aprimoramento da escrita, mas também um prazer, decidi falar sobre música. Mais especificamente, sobre letras de música. Ou, mais especificamente ainda, sobre a atividade artística de compor.
No início de 2010, decidi que queria fazer aula de violão. Mais do que para aprender a tocar as canções que eu gostava, eu queria aprender a teoria dos acordes para criar as minhas próprias melodias. Fiz aulas particulares por mais ou menos um ano. Aprendi os ritmos e acordes básicos, mas, definitivamente, não tenho lá muito talento.
Já que me dou melhor com as palavras, também já tentei escrever algumas letras – obviamente, musicadas por outra pessoa. Até agora, pouca coisa se salvou. Mas um pouco pelo qual tenho muito carinho. Quem sabe falte treino. Às vezes, minha autocrítica afiada demais, me corta antes de florescer. Pois bem, já que não sei fazer música, e ainda muito pouco sei sobre poesia, decidi escrever sobre quem sabe: os compositores que eu gosto.
A proposta deste Blog resume-se em, a cada postagem, falar sobre uma música escolhida por mim. Vai funcionar, mais ou menos, como uma análise (sob o meu ponto de vista, claro) da composição em geral, mas principalmente sobre a letra da canção em questão. Sem técnica, sem rigor! Afinal, passo quilômetros de distância de uma “crítica musical”. E tenho consciência da superficialidade do meu conhecimento musical. Isso aqui é só prazer.
A ideia é escolher uma letra e elaborar um texto a partir dela. Não me comprometo com um único padrão de análise. Pode ser que eu queira escrever sobre a história contada na canção, sobre o jogo de palavras usado pelo compositor, sobre o próprio compositor(a), sobre as referências que sei – ou que suponho – que ele tenha utilizado para escrever, sobre a harmonia entre palavras e acordes (...) Tudo depende exatamente do que aquela composição escolhida me causa.
Importante ressaltar que não se pode esperar imparcialidade da minha parte. Minhas escolhas estarão diretamente ligadas ao meu gosto musical; o meu texto, ligado às minhas referências, impressões e opiniões. Deixei para falar do nome por último de propósito. Primeiro porque seria melhor compreendido depois de deixar clara minha proposta. Depois, porque foi a última coisa que eu defini.
Procurando referências para a escolha do nome, me lembrei de um livro que usei no ensino médio (muito bom, por sinal), chamado Português: literatura, produção de textos & gramática, de Samira Yousseff Campedelli e Jésus Barbosa Souza. Permitam-me usar um trecho do livro para justificar minha escolha: “Uma mensagem é constituída de forma e conteúdo: como se diz e o que se diz. Além de comunicar algo, é ela própria enfatizada, elaborada, por meio de trocadilhos, figuras de estilo, aliterações, repetições, jogos de sons, disposição de palavras no papel ou mesmo pelo uso de texto esteticamente bonito: a mensagem está centrada na própria mensagem. Tem-se, então, a função poética”. Fez sentido?